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A necessidade de um tempo para a família!


O dia tem 24 horas, das quais oito ou dez se passam a trabalhar e outras oito a dormir. A verdade é que à maioria dos pais de hoje sobra-lhes pouco tempo para partilhar com os filhos. Se tiverem que viajar, não sobra mesmo nada. Se calcularem bem o tempo que houver para estar com a família, dar-se-ão conta que ele é muito escasso.

Mas regressemos à história natural de qualquer família. Primeiro, um homem e uma mulher encontraram-se. Depois olharam-se e contaram mutuamente muitas coisas das respectivas intimidades, até que escreveram no diário: Estou apaixonada! Estou apaixonado! (Primeira fase: o encontro homem-mulher).
Segundo, depois de passar muitas horas juntos, chegaram à conclusão de que a única possibilidade de serem felizes era estarem juntos (unidade); estarem sós sem estranhos e sem que essa relação especial fosse partilhada com alguém (exclusividade); e estarem sempre unidos no futuro, acontecesse o que acontecesse (indissolubilidade). Por isso, um belo dia, decidiram casar-se. Porque o que procuravam, a unidade, a exclusividade e a fidelidade são, precisamente, as características que caracterizam esse vínculo de amor em que consiste o matrimônio. (Segunda fase: a vinculação através de um casamento que os constitua marido e mulher).
Terceiro, depois de uns tempos de casados, decidem ter um filho. O vínculo entre eles expande-se, intensifica-se e renova-se. O amor entre eles prolonga-se no amor à vida de um novo ser que, procedendo deles, os ultrapassa. A esposa fica grávida e tem um filho. A paternidade e a maternidade transformam e completam, de modo diverso, a personalidade e a trajetória biográfica do homem e da mulher (Terceira fase: o filho concebido pelo esposo e pela esposa transforma esse homem e essa mulher em pai e mãe).

Mas voltemos ao que estava a dizer: a escassez de tempo disponível para a família. Suponhamos que no melhor dos casos, e na maioria dos casais, esse tempo não é superior a uma ou duas horas por dia. Se se divide esse tempo entre as funções próprias da vida conjugal (relação homem-mulher; esposo-esposa; pai-mãe e filhos), de acordo com a história e evolução natural do amor humano, a que antes se aludiu, observaremos o que se segue:
O tempo dedicado a exercer as funções de pai e mãe é um tempo exigente, quase sempre apressado e de resposta imediata, de modo nenhum adiável. Os filhos, são os primeiros a apropriar-se, com certa continuidade, desse tempo, especialmente pelas exigências ditadas por aquilo que antes se chamava a sua criação. À criação é preciso acrescentar outra função tão importante como ela: a educação dos filhos. Essa função é uma obrigação dos pais que, com o crescimento dos filhos tende a complicar-se e a exigir maior dedicação.
O tempo dedicado a exercer as funções de marido e mulher tem algumas características parecidas com o tempo destinado à paternidade. De fato, o casamento é uma instituição que se materializa num conjunto muito diverso, e prolongado no tempo, de exigências peremptórias às quais não se pode renunciar. Refiro-me, claro, às numerosas tarefas domésticas que exige o cuidado dum lar, tarefas de administração e organização doméstica; e logicamente, às relações sociais que é preciso enfrentar, sejam oportunas ou não. Como em muitas ocasiões, essas exigências são imprevisíveis, inoportunas e com prazos a cumprir, pelo que não há mais remédio do que fazer-lhes frente e resolvê-las, concedendo-lhes a prioridade ditada em certos casos, por exemplo, pelos serviços públicos. Prioridade esta que pouco ou nada tem a ver com a prioridade subjetiva que lhe concederiam os esposos.

Vistas assim as coisas, o tempo dedicado a exercer as funções de marido e mulher, e a estar juntos, é o que sofre quase sempre adiamentos ou incumprimento. Quanto tempo dedicaram a encontrar-se como marido e mulher nos últimos seis meses? Quando puderam reunir-se para falar das vossas pessoas e das vossas coisas? Não é verdade que, desde que se casaram e/ou são pais, dedicam muito menos tempo a falar, a trocar impressões e a descansar do que quando eram só namorados? Não é verdade que agora teriam que falar mais, visto que têm de enfrentar numerosos e pequenos, ou grandes, problemas que vos interpelam e sobre os quais é preciso tomar decisões importantes, porque afetam a vida familiar e conjugal?
Bem, isso não é o mais importante desse tempo destinado ao encontro como homem e mulher. O mais importante é encontrar-se entre vós, falar de nós, olhar-se nos olhos, comunicar ao outro os sentimentos próprios, partilhar a intimidade.
Quanto tempo calculam que gastaram com isso durante o último mês? Porventura não sentem a necessidade de recordar e reviver os momentos que marcam a própria história, enquanto casal? Não sonharam ao menos, com dispor de algum tempo com esse fim? Não será essa a origem de tanta irritabilidade, incompreensão e incomunicação? Não será que a tristeza, que em certas ocasiões vos tortura e vos faz pensar num certo fracasso, não é outra coisa do que a consequência dessa nostalgia insatisfeita do encontro tanto tempo desejado desde a última vez? Conformam-se talvez com essas vidas trabalhosas que levam, enlaçadas só pelo permanente desencontro entre vós?

Que entendo eu por encontrar-se como homem e mulher? Entendo por isso, procurar um período de tempo – o ideal seria cerca de trinta horas por mês ou um fim de semana mensal – em que no diálogo homem-mulher não se fale nem dos filhos, nem dos conflitos, nem das faturas pendentes, nem do pagamento de impostos,
Nesse encontro homem-mulher fala-se exclusivamente de “tu” e “eu”, de “nós” e de nada mais. Além disso, nesse encontro só se fala de coisas positivas. Pensa-se e recorda-se em positivo, além de olhar-se nos olhos, de nos pormos frente a frente, É um tempo para partilhara intimidade, e descansar. Esta maneira de proceder é o que garante hoje, no meio da grande crise em que vivemos, a união homem-mulher. Tudo o resto – as relações marido-esposa e pais-filhos – depende desse encontro do casal.
Se não se realiza esse encontro homem-mulher, é muito difícil que o marido e a esposa ou o pai e a mãe se encontrem na convivência quotidiana. Não se realizará a não ser que a história natural dessa relação regresse à origem (o encontro homem-mulher) e exija ser satisfeita – como conditío sine qua non – para que possa realizar-se o encontro noutros âmbitos (esposa-marido, pai-mãe), cronologicamente posteriores.

Não podemos consentir que os âmbitos pai-mãe ou marido-esposa, por mais importantes que sejam, anulem o encontro entre homem e mulher. Sem esse encontro primeiro não é possível alcançara felicidade conjugal. Quando se reunirem, quando puderem realmente encontrar-se como homem e mulher, recomendo-lhes que se lembrem de que existiu um tempo em que só houve um encontro homem-muIher, fundamento de felicidade e das consequências naturais que daí resultaram posteriormente.
Quando uma pessoa, livremente, olha nos olhos outra e lhe dá a sua intimidade e a sua corporalidade, e com toda a liberdade lhe diz “Amo-te e sem ti a minha vida não poderia continuar, tu és a melhor coisa que me aconteceu na vida, sem ti a minha vida não teria sentido”, então isso é incompatível com o mesmo amor a qualquer outra mulher ou homem que se cruzem no seu caminho. Quando os cônjuges se encontram como homem e mulher, é pouco provável que qualquer frustração profissional, por importante que seja, conduza a uma “escapadela” que signifique uma infidelidade ao outro.
(…)
Depois de 40 anos a ajudar casais, no campo da terapia conjugal, asseguro que se garantem o encontro homem-mulher, ainda que uma vez por mês ou de dois em dois meses, fortalecerão e revitalizarão o amor conjugal, e por ele e com ele, a felicidade da família. Não interessa se para conseguir tempo para o encontro necessário entre vós, se veem forçados a deixar os filhos a um vizinho, aos avós, a uma baby-sitter ou a uma estudante universitária de confiança. Organizem-se, resolvam esses problemas aparentemente insolúveis, mas não deixem de lutar para encontrar-se como realmente são: homem e mulher. Se esse encontro se produz realmente, tudo o resto vos será dado por acréscimo.
O casamento e a família constituem hoje a batalha mais digna – e mais necessária – da condição humana. E, à partida, a que pode dar frutos mais poderosos em ordem ao enriquecimento, desenvolvimento e melhoria de uma sociedade viável. Se houver felicidade conjugal haverá felicidade familiar e a Europa terá futuro. Se não houver, as uniões conjugais romper-se-ão e tornar-se-ão tragédias para pais e filhos, a sociedade inteira se fragmentará e a Europa será vencida e deixará de ser o que é.
Já se disse que “o casal unido jamais será vencido”. Em minha opinião, esta afirmação é uma grande verdade. Numa ocasião impressionou-me a leitura duma frase em grafiiti escrito nas paredes de uma bela pousada. Copiei-a e refleti muito sobre ele. A frase era a seguinte: “Se lutas, podes vencer; se não lutas, já estás vencido”.
É este o lema que gostaria de vos deixar como conclusão da minha conferência. Lutem, recomecem as vezes que for preciso, avancem, não se detenham, não se importem com o cansaço, batalhem por essa meta grandiosa que é encontrarem-se como homem e mulher que se amam e querem continuar a amar-se. Pouco importa perder uma batalha se no fim se ganha a guerra. Quase sempre são os soldados muito cansados que ganham as guerras, muito cansados mesmo, mas que jamais se deram por vencidos.

A família é o núcleo originário e poderoso onde se configura a identidade pessoal. A família é, sem dúvida, o primeiro e principal grupo de pertença e, por isso mesmo, o primeiro grupo de referência.
Sem o encontro e o acolhimento dos pais, sem o seu afeto e interação singular – e a abertura ao mundo simbólico e afetivo que essa interação especial significa – a identidade pessoal dos filhos fica quebrada, incompleta ou subvertida. A família é, além disso, o primeiro núcleo cultural e socializante dos filhos.
A identidade pessoal enriquece-se e consolida–se na identidade familiar. A identidade familiar não é possível sem a identidade cultural. Uma e outra formam um continuum distinguível, sim, mas inseparável.
Nisto consiste a nossa identidade como europeus. Tal como afirma o eurocéptico Larry Siedentrop (2001), “A Europa só pode fazer o que deve, por si própria e pelo resto do mundo, se se sente segura da sua própria identidade. Interrogar-se sobre a identidade moral na Europa não é, portanto, algo secundário nem uma reflexão a posteriori. Porque se o processo de integração europeu não está presidido por uma identidade coerente, mais cedo ou mais tarde estará condenado ao fracasso. Os hábitos e as atitudes necessários para sustentar novas instituições europeias dependem, em última instância, de certas crenças partilhadas”.
Uma delas – sem qualquer dúvida, a mais importante, na minha modesta opinião – é a família. Sem a família ou se a família se desestrutura, é praticamente impossível a identidade pessoal. E sem esta não é possível a identidade cidadã, nacional, comunitária, europeia.
Eis, pois o grande repto que pesa, na atualidade, sobre a família na Europa. De vós depende o porvir da Europa, do que a Europa quer e deve ser no futuro.

Aquilino Polaino-Lorente, Catedrático de Psicopatologia, Universidade San Pablo-CEU, Madrid. Conferência em Setúbal
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